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Precipício

by Iuri Keffer

 

“O amor é um precipício. A gente se joga e reza para o chão nunca chegar.” Inaura, Lisbela e o Prisioneiro.

 

 

Como escritora, sempre pude dar aos meus personagens os finais felizes que não tive. E era sobre isso que conversávamos no evento literário daquele dia. A linha tênue entre a ficção e a realidade. Onde o imaginário se mistura com o real.

Gustavo falava sobre seus romances românticos, coisas que o inspiravam e algumas curiosidades. Enquanto eu escrevia ao som de músicas pesadas, ele ouvia músicas tristes. Lana Del Rey era uma de suas preferidas.

Tinha um sotaque particularmente encantador, e a timidez o deixava mais lindo. Ele era do Rio, e eu de Sampa. Não era a primeira vez que participávamos de uma bate papo juntos, mas naquele em especial o olhei com outros olhos. Prestei atenção nos seus gestos. No jeito que cruzava os braços sobre a barriga quando ficava nervoso ou quando mordia o lábio inferior antes de responder uma pergunta.

Com o evento chegando ao fim, nos cumprimentamos e trocamos algumas palavras. Autografei exemplares do meu livro e segui para o aeroporto Santos Dumont. Apesar do tempo chuvoso o voo fora tranquilo, a única turbulência se encontrava em meu coração.

 

                                                                                                                              ***

 

Na noite seguinte, após chegar da faculdade, a primeira coisa que fiz fora ligar o computador. Entrei no facebook e dentre as milhares de fotos em que fui marcada, só as em que Gustavo aparecia me encantavam.

Como pretexto para aproximação, aproveitei para fazer uma brincadeira em que havia sido marcada. Teria que contar dez coisas sobre mim e escolher outras pessoas para participar. Queria saber dos seus segredos assim como queria que ele soubesse dos meus.

Após alguns minutos, uma janela de bate-papo surgiu no canto inferior da minha tela. Era ele. Reclamava sobre como àquilo era difícil. O imaginei falando com sotaque e sorri.

Passamos a nos falar com frequência. Tínhamos uma palavra especial nas nossas conversas e sempre chamava sua atenção quando ela era usada de forma negativa. Gostar dele foi inevitável, não me pergunte o porquê.

Até que certo dia falamos sobre amor. Sobre precipício. Sobre o amor ser um precipício. Eu pensava que pudesse dar certo independente da distância, independente de qualquer coisa, até o momento que falei que estava à beira do precipício e Gustavo mandou eu me afastar. Correr para o outro lado. Mas pra qual lado? O precipício estava em todos os lugares. Para onde eu olhava via o abismo em que queria me atirar.

Quando assisti “Lisbela e o Prisioneiro” pela primeira vez, logo me identifiquei com Inaura. Apaixonada por Léleu, atirou-se no precipício do amor. Ele também pulou, mas estava de mãos dadas com Lisbela. Enquanto eles voavam, Inaura caía.

Temia tanto que aquilo acontecesse. Não sei se a beirada do precipício cedeu sob meus pés ou se de fato me joguei. Não me dei o trabalho de rezar... Apenas esperei pelo baque.

Uns falaram que foi coisa de momento, outros que foi um equívoco ou que me entreguei rápido demais. Não tive culpa. Doeu. Doeu perceber que estava caindo sozinha. Doeu perceber que assim como Inaura, vi que ele estava pulando acompanhado. Doeu tanto

Como escritora eu me lembro dessa história e penso onde poderia encaixar o final feliz. Não sei. Talvez o tempo me responda.

O chão me acolheu, mas é inevitável pensar como teria sido meu voo se Gustavo estivesse do meu lado.

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